Acredito que exista um consenso sobre como a memória afetiva, às vezes, nos prega algumas peças. No meu caso a culpa é da Sessão da tarde. Por incrível que pareça, ainda mais se considerarmos o padrão atual, houve um tempo em que ela era levada a sério pela Globo e bons filmes eram exibidos. Neste passado distante não me cansava de assistir às constantes reprises do meu, então, filme predileto: A fantástica fábrica de chocolate. Só que, conforme fui ficando metido a besta, comecei a também enxergar seus enormes defeitos: direção medíocre, visual tosco e momentos constrangedores (detesto a cena dos arrotos até hoje). Passou de predileto a ignorado.
Ainda no tempo do onça, a Globo costumava, na época das férias, substituir a Sessão da tarde pelo Festival Jerry Lewis, por quem eu tinha verdadeira adoração. Gostava de todos os seus filmes, menos de O professor aloprado, o que não deixa de ser irônico, afinal é considerado seu melhor trabalho (preciso revê-lo, portanto). Embora tenha deixado de lado a idolatria pelo Jerry Lewis - ninguém aguenta tanto histrionismo - ainda aprecio filmes como O meninão, Errado pra cachorro e O terror das mulheres, a cujo dvd não pude resistir. E não dá para não achar graça quando ele começa a gritar com aquela voz esganiçada: "Laaady! Hey, Laaady!".
Assassinato por morte, uma sátira aos detetives da literatura policial escrita pelo bamba Neil Simon, é outra obsessão que vem da mais tenra infância. Fazia séculos que não o assistia pela tv, e o dvd, um dos primeiros a sair por estas bandas, encontrava-se há tempos fora de catálogo. Mas para minha surpresa, sua distribuidora, num lampejo de lucidez, resolveu colocar uma nova tiragem no mercado, permitindo que minha sede de nostalgia fosse saciada. Confesso que após tantos anos de procura quase fui às lágrimas ao tê-lo, finalmente, em minhas mãos. Deste ponto em diante ficou evidente que o coitado do filme não teria como corresponder à imensa expectativa criada por mim. É uma boa diversão, o Peter Falk imita o Bogart com perfeição, o Peter Sellers está ótimo como Sidney Wang (clone do Charlie Chan), mas estas tentativas de regressão estão sempre condenadas ao fracasso. Talvez fosse mais saudável me contentar apenas com as lembranças, por mais traiçoeiras que elas possam vir a ser.